O menino e a garça

CRÍTICA: O Menino e a Garça é encantador, mas falta conteúdo

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O Estúdio Ghibli entrega mais um longa de animação belíssimo, mas com uma história passável; confira nossa crítica completa a seguir!

Dirigido pelo consagrado Hayao Miyazaki, O Menino e a Garça é o mais novo longa animado do Estúdio Ghibli. Recebedor de prêmios mundo afora, será que este é o melhor fruto a vir da mente desse velhinho tão querido?

A história de O Menino e a Garça

O menino e a garça
Mahito e o curioso homenzinho que habita o corpo de uma garça durante o lanche. (Imagem: Divulgação)

Baseado livremente no livro “How Do You Live?”, escrito por Genzaburo Yoshino, um dos favoritos do diretor na sua infância, O Menino e a Garça é a mais recente produção a ser dirigida por ele e produzida pela Ghibli. Apesar de ter anunciado sua aposentadoria em 2013, demorou um pouco para que Miyazaki sentisse a coceira e voltar a colocar o lápis no papel.

Neste que é o 14º longa dirigido por ele, completados seus 83 anos em janeiro deste ano, Miyazaki traz mais um mundo maravilhoso e colorido, levando mais um protagonista infantil em uma viagem rumo ao incrível desconhecido. Em muitas maneiras, O Menino e a Garça se assemelha aos seus maiores sucessos, no jeito que a sequência de acontecimentos se desenvolve e no absoluto sentimento de encanto que quem o assiste vem a ter. 

Mas há algo que falta nele e, no final das suas quase 2 horas, a sensação que fica é que mesmo em toda a sua beleza e magnífica produção, parece que o diretor simplesmente engatou a segunda e mandou ver, fazendo mais do mesmo que a Ghibli é tão bem conhecida por conceber. Apesar de todo o seu esplendor, a animação acaba por falhar em entregar uma trama envolvente, mesmo com toda a sua mensagem de superação carregada pelo garoto Mahito.

O Menino e a Garça começa em Tóquio, no fervor da Segunda Guerra Mundial, cenário já bem conhecido do diretor. No meio da noite, o jovem é acordado com o vai e vem dos serviçais da casa, e logo descobre que o hospital em que sua mãe se encontrava está pegando fogo, resultado de um bombardeio dos Aliados. Mesmo correndo ao seu resgate junto de seu pai, Mahito já sabe que perdeu a mãe, vendo-a em seus sonhos após o trágico acontecimento.

Tempo depois, junto de seu pai, Mahito muda-se para o interior, para viver com a nova madrasta, que está esperando um irmãozinho ou irmãzinha do garoto. Seu novo lar é uma incrível mansão, com um grande lago ao lado, onde vive uma enorme garça-real. Não demora para ela começar a mexer com ele, a ponto de deixá-lo decidido a dar cabo dela. Durante sua exploração ao perseguir a ave, Mahito descobre uma misteriosa torre há muito abandonada ao lado da propriedade de Natsuko, sua madrasta, onde todas as simpáticas empregadas da mansão alertam a ele para não ir. 

O menino e a garça
Dentre os personagens dos filmes, meus favoritos são as senhorinhas que trabalham na nova casa do menino. São uma graça! (Imagem: Divulgação)

O menino fica decidido a colocar um fim nas cada vez mais intensas provocações da garça, que a cada visita vem se tornando mais bizarra, chegando até a falar com ele. Depois de uma briga com seus novos colegas de escola, Mahito forja um machucado e fica acamado, a desculpa perfeita para bolar um plano contra a garça, mas depois de ver Natsuko se embrenhar pela mata que cerca a torre e sumir, ele parte em sua busca, que a leva de volta para a torre, onde a estranha ave revela ser muito mais que isso, mostrando-lhe o caminho para uma terra distante.

A partir daí, vemos Miyazaki fazendo o que sabe de melhor: cenários absurdos de cair o queixo, criaturas estranhas e fantasiosas e é claro, personagens carismáticos que carregam segredos por onde vão. Mahito, junto da garça, se mete em situações cada vez mais estranhas em sua jornada até dar de cara com uma menina, Himi, com quem se junta, pois ela sabe onde Natsuko se encontra.

Em toda essa jornada, muito pouco de uma trama significante é desenvolvido, e as várias situações pelas quais Mahito passa têm algum porquê de peso por trás delas. Nelas, parece que Miyazaki ligou o piloto automático e simplesmente entregou uma sequência de cenas mirabolantes, muito divertidas de assistir, mas sem muito impacto. Por mais coloridas e cheias de vidas elas possam ser, arrancando risos da audiência na sala de cinema cheia em alguns momentos, carecem de significado.

Retornado ao mundo real, o filme simplesmente acaba. Mahito, aparentemente superado de seu luto pela mãe, segue com a sua vida ao retornar para Tóquio, depois do final da guerra. E é isso. Qual a mensagem do filme? Acabou ficando para quem assistiu discernir o que absorveu do longa. Diferentemente de outras produções do estúdio assinadas por Hayao, como Vidas ao Vento, não houve aquela vontade de voltar e rever a aventura. Sobrou um vazio.

O elenco do longa

A versão legendada de O Menino e a Garça traz um elenco composto por atores jovens, como é o caso de Soma Santoki, um estreante, e alguns bastante conhecidos pelo público de produções japonesas, como Takuya Kimura, que participou da adaptação do mangá Blade: A Lâmina do Imortal ao cinema, no papel do pai de Mahito.

Já para a garça, o filme conta com a interpretação de Masaki Suda, outro nome corriqueiro dos fãs de anime, que contou com presença tanto nos filmes adaptados de Gintama quanto o vindouro Assassination Classroom.

Um dos principais destaques do elenco japonês é sem dúvida Shohei Hino, que dá a voz ao sábio que o menino encontra no outro mundo. Hino teve ponta em algumas das principais produções do Japão nos últimos anos, culminando da adaptação baseada em fatos reais do desastre dos reatores nucleares de Fukushima.

A atriz Yoshino Kimura, que interpreta a madastra de Mahito, Natsuko, compartilhou a tela com o veterano “Beat” Takeshi Kitano no excelente e bizarro Glória ao Cineasta, e também fez parte da adaptação do livro de José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, famoso por Cidade de Deus.

Quanto à dublagem da versão estadunidense, O Menino e a Garça conta com nomes hollywoodianos de peso como Christian Bale (pai de Mahito), Dave Bautista (Rei dos Periquitos), Willem Dafoe (Nobre Pelicano), Mark Hamill (o Tio-Avô), Florence Pugh (Kiriko, versão jovem) e Robert Pattinson (A Garça).

A versão brasileira terá o veterano da idústria de dublagem, Guilherme Briggs, no papel do Tio-Avô/O Sábio, com Tarcisio Pureza, muito conhecido pelo trabalho em diversos animes, na voz do pai de Mahito e outro grande nome da dublagem do Brasil, Sérgio Moreno, o eterno Patrick Estrela, de Bob Esponja, como a Garça. Mahito, o protagonista, fica a cargo de Arthur Salerno, que foi quem dublou Charlie Brown no lançamento recente em CGI.

Principais destaques e curiosidades

O menino e a garça
Em Vidas ao Vento, Miyazaki narrou a vida e os questionamentos do projetista do caça Zero, peça fundamental do esforço militar do Japão na Segunda Guerra Mundial. (Imagem: Divulgação)

Ironicamente, o novo filme de Miyazaki tem ligações não só pelo período em que se passa, mas também por alguns elementos com a história de vida de Jiro Horikoshi, retratada na animação de 2013. O pai de Mahito mudou-se da cidade grande para trabalhar em uma das muitas fábricas que montou os infames caças Zero, projetados por Horikoshi e, na casa em que foi viver, guardou peças desses aviões quando houve a necessidade de protegê-las das bombas inimigas.

Mesmo assim, o peso da história de Jiro não se repete na de O Menino e a Garça. Não há um desenvolvimento de personagem já que não se percebe nenhuma mudança no menino da pessoa que era no começo para o que foi no final. Não é nem de perto o que vimos com Chihiro ou até mesmo de Sophie, de O Castelo Animado, que não só muda em personalidade, mas também fisicamente, no decorrer de sua aventura. Mahito nem sequer muda radicalmente seu comportamento perante a sua madrasta, por quem é educado e polido no começo, e que depois de tudo o que passa ao salvá-la, por um acaso, torna a chamá-la de mãe. 

Os valores do filme, então, acabam se perdendo por si só e ainda mais quando comparamos a obra com outras passadas do diretor. É uma história então de superação do sofrimento pela perda de um ente querido? Não se vê uma trajetória clara para o menino quanto a isso. O que toda a jornada insólita dele nesse mundo alternativo teve de tão especial para causar uma mudança nele, então? Fica difícil encontrar uma resposta, e talvez seja exatamente isso que Miyazaki quer transmitir com O Menino e a Garça, que não é preciso ter algo a levar consigo depois de assistí-lo além do entretenimento, que sim, existe, mesmo que sem muita substância.

Por outro lado, isso vai um tanto contra a trajetória do líder da Ghibli, já que todos os seus outros filmes possuem esse algo, então por que este aqui não teria? Para uma figura que sempre se mostrou contra o puro divertimento em seus trabalhos, até mesmo tornando uma história que deveria ser para crianças como Meu Vizinho Totoro ou até Ponyo: Uma Amizade Que Veio do Mar, veículos para histórias com temas com certa profundidade, O Menino e a Garça é uma exceção, com sua falta de uma mensagem clara.

Aspectos técnicos da produção

Em todos os outros quesitos, no entanto, o filme é incrível. A animação, um dos fortes da Ghibli, está a mil em O Menino e a Garça, e as aquarelas características das produções do diretor continuam firmes e fortes nos muitos panos de fundo do longa.

O mesmo pode se dizer da trilha sonora, que trouxe o mestre compositor Joe Hisaishi de volta ao lado de Miyazaki, entregando temas musicais exuberantes, como de costume. 

O Menino e a Garça é um longa que segue a tradição do Estúdio Ghibli ao entregar uma jornada alucinante com visuais absolutamente lindos, quase que hipnóticos, que encantam a todos que forem assistir, e é realmente uma produção digna de ser vista em uma tela de cinema, com um bom sistema de som acompanhando.

Conclusão

Essa é a maldição de se ter uma opinião que vai contra o da maioria, ainda mais vendo o quanto o filme está sendo homenageado nas premiações, sendo uma das pedidas favoritas para o Oscar, que virá a ser o segundo de Miyazaki, seguindo A Viagem de Chihiro, premiado em 2003, caso ganhe como Melhor Animação mês que vem. Não será um prêmio injusto, visto que não é um longa animado ruim, mas que está longe de estar entre os melhores de Hayao Miyazaki. 

Onde assistir O Menino e a Garça?

O Menino e a Garça entra no circuito nacional de cinemas no Brasil inteiro a partir de hoje. Houve um período de pré-estreia organizado pela distribuidora, a Sato Company, em parceria com a rede Cinemark, que aconteceu desde o início do mês.

A Sato também disponibilizou o filme em sua própria sala de cinema, localizada no prédio do Bunkyo, na Rua São Joaquim, 381, no bairro da Liberdade, em São Paulo. Lá, também acontecerão exibições do filme enquanto estiver em cartaz.

A classificação indicativa de O Menino e a Garça é de 12 anos. O longa animado contém cenas com drogas ilícitas, temas sensíveis e violência gráfica.

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Fonte: Dublagem Fandom

Revisão do texto feita por: Pedro Bomfim

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