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Alteração genética por vírus HIV pode salvar vítimas de leucemia

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O método já foi testado em cerca de 100 pessoas e pode curar a leucemia e outras doenças, mas esbarra na polêmica da transgênese
Alteração genética por vírus hiv pode salvar vítimas de leucemia
Food and Drug Administration, uma espécie de Anvisa dos Estados Unidos, deve decidir se aprova o tratamento

A leucemia é uma doença caracterizada pelo excesso de jovens glóbulos brancos (leucócitos) na medula óssea. A progressão é rápida, logo surgem os sintomas. Os pacientes diagnosticados podem apresentar uma variedade de sintomas, desde febres, dores nos ossos e até recorrentes hemorragias nasais – caso as células atinjam o cérebro, haverão crises convulsivas e a perda do controle muscular.

A doença é considerada uma espécie de ‘câncer do sangue’ e normalmente é tratada por quimioterapia. As sessões, no entanto, não são baratas e debilitam ainda mais o paciente, a ponto de causar severas sequelas, como a infertilidade.

Embora a leucemia seja devastadora, não só para quem sofre da doença, em breve poderemos ver um novo método alternativo para o tratamento da doença: através de alteração genética, tratamento mais eficaz pode se tornar real, mesmo para os casos sem sucesso em outras vias.

Um painel foi aberto recentemente na Food & Drug Administration, o equivalente norte-americano à Anvisa, com o intuito de estudar a aprovação do primeiro tratamento de câncer por alteração genética – especificamente falando, a Leucemia Linfoide Aguda (LLA) de células B maduras, que ataca principalmente as crianças leucêmicas.

A decisão de abrir a discussão foi unânime, mas isso não significa aceitação do método. A partir de agora serão mediadas diversas pesquisas para atestar a eficácia e segurança, pois, ao menos por enquanto, alterar genes não é simples, barato ou completamente seguro.

O HIV ‘do bem’

Alteração genética por vírus hiv pode salvar vítimas de leucemia
Vírus HVI, enfraquecido, é introduzido aos linfócitos T, mas não para destruí-lo, como acontece na AIDS, sim para colaborar contra o câncer

O tratamento está em estudo há anos com pacientes voluntários e possui etapas específicas. Primeiramente, milhões de linfócitos T são removidos do doente em um centro médico especializado. Eles são congelados, e, em seguida, viajam até um laboratório farmacêutico onde são alterados, congelados novamente e terminam de volta ao centro médico.

Esse processo todo chegou a demorar quatro meses, alguns pacientes já morreram durante a espera. Atualmente, é dito que o tempo é de até 22 dias.

No laboratório farmacêutico, o vírus HIV em forma deficiente é introduzido nos linfócitos T. Assim é promovida uma reprogramação das células. A AIDS, causada pelo HIV, é uma doença caracterizada por atacar os glóbulos brancos, e essa será a tarefa dos linfócitos T.

Injetadas novamente no paciente, as células T começam a se multiplicar e lutar contra o câncer. Os linfócitos B leucêmicos são atacados pelos linfócitos T alterados. É estimado que um único linfócito alterado pode destruir até 100 mil células cancerosas.

Apesar disso, o tratamento não é leve. Os glóbulos brancos T alterados não miram apenas as células B doentes, mas também as saudáveis. Como em casos de AIDS, o sistema imunológico é debilitado, assim o paciente fica bastante vulnerável aos germes e demais ameaças externas. É necessário aplicar imunoglobinas todos os meses.

Além disso, o método de alteração genética esbarra na clássica incógnita: o que essas mudanças em genes provocarão no futuro? Há muitas pessoas hoje que temem comer alimentos transgênicos por causa de suas possíveis consequências futuras. Através dessa preocupação, compartilhada pelos cientistas, os pacientes que recebem o tratamento serão acompanhados em estudos durante 15 anos.

Pais estão unidos para a aprovação

Um dos pontos fortes apresentados à FDA veio através dos números: dos 63 paciente tratados, de abril de 2015 a agosto de 2016, 52 entraram em remissão, isto é, 82,5% – uma elevada taxa de sucesso para um câncer. Houveram 11 mortes dentre esse período.

Alteração genética por vírus hiv pode salvar vítimas de leucemia
Emma Whitehead, a primeira criança a se curar de leucemia por transgênese, acompanhada de seus pais na FDA

Emma Whitehead é filha única e foi diagnosticada com leucemia linfoblástica aguda aos 5 anos, em 2010. Ela foi a primeira criança a receber o tratamento por alteração genética, quando tinha somente 6 anos.

A garota já tinha sofrido duas recaídas após a quimioterapia e foi necessário recorrer a outras opções. A alteração genética foi a escolha que curou a Emma. O tratamento ocorreu no Hospital Infantil da Filadélfia e foi desenvolvido pela Universidade da Pensilvânia.

Emma Whitehead quase faleceu. Sua temperatura corporal atingiu os 40ºC, houve queda de pressão arterial e congestão pulmonar. O caso chegou a um nível tão crítico que a família e amigos da garota se reunirem para uma despedida.

No final do mesmo dia, uma bateria de exames apontou altos níveis de interleucina 6 (IL-6), mil vezes mais alto do que o normal. A droga tocilizumabe, indicada para artrite reumatoide, foi usava para bloquear os receptores de IL-6. A resposta foi imediata e horas depois ela começou a melhorar. Emma acordou uma semana depois, em 2 de maio, o dia de seu aniversário de 7 anos. A equipe da UTI cantou parabéns à ela.

Emma e seus pais foram à FDA, durante a audiência de abertura do painel de pesquisa. Outros pais de filhos leucêmicos também compareçam.

Connor, filho de Don McMahon, luta contra leucemia desde os 3 anos de idade. Após sessões de quimioterapia que o fizeram infértil, aos 11 anos ele estava se preparando para um transplante de medula óssea, processo que exige diversos testes dolorosos. Então o pai soube da alteração genética, através da Universidade de Duke. Um ano depois, hoje, Connor voltou a jogar hóquei. O Mr. McMahon esteve na FDA incitando o painel a votar na aprovação do tratamento.

Amy Kappen teve uma filha que recebeu o tratamento genético, Sophia de 5 anos, mas morreu meses depois. A mãe afirma que a doença de Sophia já estava muito avançada, acreditando que se a aplicação tivesse acontecido antes, a filha sobreviveria. Kappen conta que ainda assim o tratamento aliviou os sintomas da leucemia e deu alguns meses a mais à filha.

Distante realidade ao Brasil

Caso aprovado, o método de alteração genética será feito pela Novartis, companhia suíça de farmacêutica. A primeira área de atuação será os Estados Unidos, com 30 ou 35 centros médicos especializados. Foi confirmado que já há planos para levar o tratamento para os países da União Europeia. A Novartis aponta que, usando um sistema similar, pode ser possível curar outras doenças, como o câncer de próstata, mieloma múltiplo e agressivos tumores cerebrais.

Entretanto, além de não haver planos explícitos para levar o método aos países em desenvolvimento, como o Brasil, o preço é altíssimo. Esse tratamento não é exatamente comercial, é bastante individual e de alta tecnologia. É estimado que o preço ultrapasse US$ 300 mil por pessoa. No Brasil, a quimioterapia é oferecida pelo SUS.

Enquanto a agência federal dos Estados Unidos, Food and Drug Administration, estuda se devem aceitar ou não o método, o Brasil poderia seguir o exemplo. Em 2013, 6.316 pessoas morreram de leucemia no Brasil, sendo 3.439 homens e 2.877 mulheres. Em 2016, cerca de 10 mil novos casos de leucemia surgiram no país, segundo o INCA.

Um tratamento por alteração genética pode ser hoje a esperança de milhares de pessoas com leucemia, aqui e no restante do mundo.

Fonte: The New York Times

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