Artistas opinam sobre ias.

Artistas contra inteligência artificial: o que pensam eles sobre as IAs?

Avatar de alexandre marques
Músicas, filmes e até mesmo livros já podem ser encontrados tendo como autores diferentes Inteligências Artificiais, mas o que os profissionais da área pensam sobre isso?

As IAs estão na moda, e isso não se limita a falarmos apenas de ChatGPT para criação de textos ou do Midjourney para produção de imagens. Há cada vez mais um impulsionamento entre grandes empresas para produzirem mais e mais Inteligências Artificiais, fazendo com que um número alto de IAs estejam disponíveis para que seus usuários as usem.

Nesse cenário em que o conteúdo autoral e o conteúdo desenvolvido por uma inteligência artificial se confundem, nasce um debate ético em diversas áreas. Afinal, é ético que uma IA se baseie em um ou mais artistas para produzir uma nova obra a partir dos seus estilos? Quais limites devem ou não ser impostos nas criações de IAs?

Em meio a esse turbilhão de novas produções advindas das inteligências artificias, em que as inspirações de estilos se confundem com o plágio, nada mais justo que os próprios artistas falarem sobre a presença das IAs no meio artístico. Confira abaixo a batalha dos artistas contra inteligência artificial:

IAs na indústria musical

Artistas contra inteligência artificial: o que pensam eles sobre as ias?. Músicas, filmes e até mesmo livros já podem ser encontrados tendo como autores diferentes inteligências artificiais, mas o que os profissionais da área pensam sobre isso?
Drake e The Weeknd tiveram suas vozes captadas por uma IA para reproduzir uma música a qual os artistas nunca gravaram juntos. Foto: Reprodução/Instagram/@champagnepapi.

A música Heart On My Sleeve foi realmente um sucesso. Não por acaso, uma colaboração entre dois dos maiores nomes da música pop nos últimos anos, Drake e The Weeknd, com versos sobre a cantora e atriz Selena Gomez, ex-namorada de The Weeknd; chegou a números expressivos no Spotify, no TikTok e no YouTube. O grande problema? Drake e The Weeknd nunca se uniram para gravar Heart On My Sleeve, a canção foi criada por uma Inteligência Artificial, baseada nas vozes dos cantores.

A Universal Music Group, detentora dos direitos de publicação dos artistas, alegou violação de direitos autorais na composição, resultando na remoção da música dos catálogos do Apple Music, Spotify, Deezer e Tidal. O YouTube também retirou o vídeo devido a uma reivindicação de direitos autorais, e o TikTok removeu o conteúdo relacionado. No Spotify, a música Heart on My Sleeve é creditada a um perfil chamado ghostwriter, sem menção a Drake e The Weeknd.

O que pensam os cantores e músicos?

Detentor de diversos hits, como Shape of You, o cantor e compositor britânico Ed Sheeran, em entrevista ao American Songwriter, se demonstrou assustado com o potencial que algumas IAs apresentam:

O que não entendo sobre a inteligência artificial é que, nos últimos 60 anos, os filmes de Hollywood vêm dizendo: ‘não faça isso’. E agora todo mundo está fazendo isso. E eu fico tipo: ‘você não viu os filmes em que eles matam a todos nós?’. Além disso, simplesmente não sei por que você precisa disso – se você está tirando o emprego de um ser humano, acho que provavelmente é uma coisa ruim. O ponto principal da sociedade é que todos nós desenvolvemos trabalhos. Se tudo for feito por robôs, todo mundo vai ficar sem trabalho.

Ed Sheeran
Artistas contra inteligência artificial: o que pensam eles sobre as ias?. Músicas, filmes e até mesmo livros já podem ser encontrados tendo como autores diferentes inteligências artificiais, mas o que os profissionais da área pensam sobre isso?
Corey Taylor se demonstrou avesso a criações advindas de IAs. Foto: Reprodução/Instagram

Outra crítica dura feita sobre o uso de IAs em música veio do vocalista da banda de heavy metal Slipknot, Corey Taylor, em entrevista ao Kerrang! Radio:

Para ser honesto, eu não estou nem aí para nada disso. Não sei o que as pessoas estão tentando provar. Elas estão tentando provar que os computadores podem fazer as coisas tão bem quanto as pessoas? Porque, se sim, então qual é o ponto? Um exemplo ainda pior da tecnologia substituindo o talento do que venho reclamando há anos com o Pro Tools, afinando e usando os mesmos sons. E as pessoas continuam a dizer: ‘oh, não é legal?’. Não, não é legal. Você está maluco?

Corey Taylor

Mas não são todos os lados da indústria que se opõem à Inteligência Artificial. Foi graças a uma Inteligência Artificial que a banda The Beatles conseguiu finalizar a canção Now and Then, composta e gravada em uma demo por John Lennon pouco antes de sua morte, em 1980.  Paul McCartney, cantor que se tornou um expoente na banda, explicou como a IA funcionou nesse projeto que é conhecido como “a canção final dos Beatles”:

Ele [diretor do projeto] conseguiu extrair a voz de John dessa gravação rudimentar. O cassete tinha só voz e piano, e a inteligência artificial conseguiu separar os dois. Você diz à máquina ‘isso aqui é a voz, isso aqui é o piano, e quero que você retire o piano. A voz de John ficou muito pura depois de passar pela inteligência artificial, então pudemos fazer a mixagem como fazemos normalmente. Terminamos isso recentemente e será lançada no fim do ano.

Paul McCartney

IAs na indústria cinematográfica

Artistas contra inteligência artificial: o que pensam eles sobre as ias?. Músicas, filmes e até mesmo livros já podem ser encontrados tendo como autores diferentes inteligências artificiais, mas o que os profissionais da área pensam sobre isso?

O ator Harrison Ford contou com IAs para rejuvenescer seu rosto em Indiana Jones e o Chamado do Destino. Foto: Reprodução/ Indiana Jones e o Chamado do Destino.

De efeitos especiais até artistas ressuscitando, você talvez não saiba, mas o uso da Inteligência Artificial em filmes e séries não é recente. Em grandes produções, como filmes da saga Star Wars, as IAs sempre foram bem-vindas para ajudar na criação de cenários e de efeitos visuais mais elaborados.

Num recurso muito semelhante ao da DeepFake, por exemplo, o ator Paul Walker pôde ser ‘ressuscitado’ por uma inteligência artificial que captou gravações antigas do ator para reproduzir sua aparência e seus movimentos em Velozes e Furiosos 7, lançado já quando o ator havia falecido. Filmes com grandes produções também já usaram recursos envolvendo IAs para rejuvenescer rostos de atores, como acontece em diversos filmes da Marvel e em O Irlandês com os personagens de Robert DeNiro e Al Pacino.

Entretanto, com o boom das IAs, surgiu a preocupação do setor relacionando a inteligência artificial com a substituição de uma série de profissionais envolvidos nas produções de filmes. Com a greve de roteiristas de Hollywood, iniciada em maio desse ano, o uso da Inteligência Artificial também entrou em pauta, já que os roteiristas alegam ter receio de que os grandes estúdios comecem a substituir o seu trabalho por ferramentas semelhantes ao ChatGPT, criando textos de forma automatizada, e pior: baseando-se em criações anteriores de roteiristas, sem a permissão destes.

Além de roteiristas, dubladores também se veem ameaçados pelas IAs, já que muitos estúdios teriam um banco com suas vozes e poderiam, fazendo uso de inteligências artificias, replicar novas falas nunca ditas com a mesma fonética das dublagens originais.

O que os atores pensam sobre?

Conhecido pelo seu papel como Agente Coulson no Universo Marvel, o ator Clark Gregg se demonstrou preocupado, em entrevista ao The Wrap, com os rumos guiados pela Inteligência Artificial em produções cinematográficas:

Existem coisas fundamentais, como a sua aparência – quando você faz algo como um filme de gênero, talvez em um universo de super-heróis, onde eles escaneiam você inteiro… E você sabe, a qualquer momento eles provavelmente vão poder replicar você inteiro. Isto precisa ser feito com a sua permissão, consentimento, envolvimento. Não somos informações que servem de alimento para um computador. Não é para isso que serve a humanidade.

Clark Gregg
Artistas contra inteligência artificial: o que pensam eles sobre as ias?. Músicas, filmes e até mesmo livros já podem ser encontrados tendo como autores diferentes inteligências artificiais, mas o que os profissionais da área pensam sobre isso?
Tom Hanks não descartou a possibilidade de se tornar “eterno” com ajuda das IAs. Foto: Reuters.

Protagonista de filmes marcantes, como Náufrago e Forrest Gump, Tom Hanks também levantou a questão legal e trabalhista que deve estar por trás do uso de IAs em produções cinematográficas, mas não descartou a possibilidade de continuar estrelando filmes após a morte:

Vimos que haveria essa capacidade de pegar ‘zeros’ e ‘uns’ de dentro de um computador e transformá-lo em um rosto e um personagem. Isso só cresceu um bilhão de vezes desde então, e vemos isso em todos os lugares. Posso dizer que há discussões acontecendo em todas as associações, todas as agências e todos os escritórios de advocacia para chegar às ramificações legais de meu rosto e minha voz e de todos os outros serem nossa propriedade intelectual. O que é uma possibilidade genuína agora é que, se eu quisesse, poderia me reunir e lançar uma série de sete filmes estrelando todos eles, nos quais teria 32 anos a partir de agora até o fim dos tempos. Poderia ser atropelado por um ônibus amanhã e é isso, mas as atuações podem continuar e continuar e continuar.

Tom Hanks

Muito conhecida pela sua participação na série Homeland, a atriz Carly Turro disse à Reuters que teme pela sua carreira com a chegada da Inteligência Artificial como potencial substituta dos atores:

Se não fosse um grande problema planejar a utilização de IA para substituir atores, seria óbvio colocar isso no contrato e nos deixar dormir com mais tranquilidade. O fato deles não fazerem isso é aterrorizante quando você pensa no futuro da arte e do entretenimento como carreira.

Carly Turro

IAs no ramo literário

Artistas contra inteligência artificial: o que pensam eles sobre as ias?. Músicas, filmes e até mesmo livros já podem ser encontrados tendo como autores diferentes inteligências artificiais, mas o que os profissionais da área pensam sobre isso?
ChatGPT é usado para produzir livros com conteúdo de veracidade duvidosa. Foto: Reprodução/Welivesecurity.

O mercado literário também não conseguiu escapar das garras da Inteligência Artificial. Livros criados por sistemas de IA generativa, semelhantes à tecnologia por trás do ChatGPT, já estão disponíveis na Amazon e em outras livrarias virtuais. Ainda na Amazon, podemos encontrar também livros de colorir que utilizam IAs, como o Midjourney, para gerar imagens sem cores.

Para conquistar compradores e ganhar visibilidade nas “prateleiras” virtuais, uma estratégia adotada é utilizar nomes de autores, ao invés de atribuir créditos a IA. Como é de praxe, as obras geradas por IA são frequentemente associadas a conteúdo não confiável. Esse fenômeno aponta para desafios significativos que a indústria editorial e os consumidores enfrentam à medida que a IA se torna uma parte cada vez mais presente do mercado literário, afetando tanto a autenticidade quanto a qualidade das obras disponíveis.

O que os escritores pensam sobre?

Artistas contra inteligência artificial
Avesso as IAs, o escritor Jonathan Frazen está processando o ChatGPT. Foto: Hector Guerrero/AFP

Autor de Encruzilhadas e As correções, o romancista estadunidense Jonathan Franzen fez duras críticas ao conceito de inteligência atribuído às IAs:

Acho que inteligência artificial é um erro de nomenclatura. Isso não é inteligência, são algoritmos muito espertos, bons em adivinhar. Qual será a próxima palavra numa frase? Isso não é inteligência. Inteligente é o que um animal tem, porque tem objetivos e desejos. E a inteligência o ajuda a alcançar esses objetivos […]. Apesar disso, acho que rapidamente chegaremos num ponto onde a inteligência artificial vai produzir fakes tão perfeitos que realmente vai parecer que sou eu aqui dizendo que não acredito no Holocausto.

Jonathan Franzen

Recentemente, Jonathan Franzen se juntou a um grupo de escritores renomados para processar legalmente a OpenAI no Tribunal Distrital dos Estados Unidos. Os escritores alegam que a empresa utilizou seus livros para treinar o ChatGPT, infringindo direitos autorais. A reclamação destaca que, embora a OpenAI não revele publicamente quais obras são usadas no treinamento, a empresa admitiu o uso de material protegido por direitos autorais.

Vítima de livros gerados por IAs usando seu nome sem consentimento, a escritora Jane Fridman, autora de The Business of Being a Writer (2018) e Publishing 101 (2014), teve que solicitar à Amazon a remoção de cinco livros gerados por Inteligência Artificial que estavam à venda no site publicados sob seu nome sem autorização. A autora fez duras críticas pela falta de verificação com livros gerados por IAs:

A menos que a Amazon estabeleça algum tipo de política para impedir que alguém simplesmente publique o livro que quiser e aplique o nome que quiser, isso vai continuar, não vai acabar comigo.

Jane Fridman

Veja também:

Fontes: New York Times, USA Today e Jane Fridman.

Revisão do texto feita por: Pedro Bomfim (25/09/23)

Inscreva-se para receber nossas notícias:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados