João doria no teste do sofá

Os digital influencers da política brasileira e como eles ganharam eleições

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Além de ser a referência do que consumir, influenciadores digitais agora são uma referência de em quem votar também; saiba como o MBL saiu das redes sociais e chegou ao parlamento brasileiro nessas eleições

Ninguém duvida que a internet deu voz à muita gente. Ainda assim, a forma como as redes sociais, em especial o YouTube e o Whatsapp, catalizaram o surgimento de figuras políticas, surpreendeu até os mais céticos após o primeiro turno das eleições.

Em uma matéria publicada esta semana no Buzzfeed News, o jornalista Ryan Broderick afirmou que os “YouTubers entrarão na política, e os que o fizerem, provavelmente serão eleitos”.

Em outro artigo publicado no The Daily Dot, Josh Katzowitz perguntou: “Poderiam esses YouTubers brasileiros de direita dominar a política com memes?”. A matéria veiculada pelo Buzzfeed contou com entrevistas a Kim Kataguiri, líder e fundador do Movimento Brasil Livre (MBL), Arthur do Val (conhecido pelo apelido Mamãe Falei) e Fernando Holiday. Em 2018, Kataguiri e do Val foram eleitos pelo Partido Democratas (DEM) aos cargos de deputado federal e estadual por São Paulo.

Desde 2016, Fernando Holiday é vereador pela capital paulista.

Protestos em 2013 e eleições em 2014

Além de sua visão política centrada no neo-liberalismo, que advoga por causas como o Estado mínimo e, consequentemente, o livre-mercado, as três novas caras do parlamento brasileiro têm outras características em comum: nunca haviam ocupado outro cargo eletivo e possuem a internet em especial o YouTube, como o seu trampolim para a fama e seu maior veículo de divulgação. No caso de Kim, por exemplo, ele explica que tudo começou com uma pesquisa de escola sobre programas sociais no Brasil.

“Então eu fiz um vídeo to meu professor e pros meus amigos da escola para falar sobre o que eu tinha encontrado. Mas havia um problema: eu postei esse vídeo no YouTube – então era público e logo se tornou viral”.

Conforme o vídeo de Kim era compartilhado entre os colegas de escola, mais pessoas comentavam pedindo mais vídeos – o que o levou a se conectar com defensores do movimento libertário no Brasil. Meses depois, em 2013, as Jornadas de Junho e o Movimento Passe Livre estouram em São Paulo. A partir desse momento, Kim e seu grupo começaram a se organizar para deixar o discurso apenas virtual e também ir às ruas.

E assim, no berço dos protestos contra o aumento das passagens, nascia o Movimento Brasil Livre. Embora os militantes do MBL tenham se aproveitado da atenção midiática para os protestos naquele ano, vale ressaltar que o grupo formado por Kim só se formalizou um ano depois, em 2014, quando a onda de manifestações contra o governo deixou a pauta dos transportes públicos e passou a ser a Copa do Mundo, com grande rejeição à reeleição de Dilma Rousseff.

O início e as estratégias para a fama

Além de uma história de fama, a maneira como os três quebraram o paradigma da política brasileira é um reflexo de como as redes sociais também quebraram os meios tradicionais de transmissão de informações.

Na entrevista cedida ao Buzzfeed, inclusive, o próprio Arthur do Val garante que hoje os YouTubers são mais influentes que os políticos no Brasil – o que faz sentido se lembrarmos que os influenciadores digitais são verdadeiros líderes pra tudo quanto é assunto na internet.

Se formos à origem etimológica do termo “influenciadores digitais”, por sinal, perceberemos que é exatamente isso que ele significa – pessoas que têm a capacidade de exercer sua influência dentro dos meios digitais (internet).

No entanto, a grande diferença dos Youtubers que se envolvem diretamente com política, como é o caso dos líderes do MBL, é que eles não estão interessados em promover uma marca de xampu ou de celular, mas sim um viés ideológico.

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E não pense que há um viés ideológico nesta afirmação, afinal, o próprio Kataguiri confirma o fato quando explica que as táticas de divulgação das ideias do MBL se resume em dois passos. No primeiro, o grupo seleciona notícias que reafirmam o seu ponto de vista, utilizando sempre jornais conhecidos como fontes.

“Primeiro, a gente pega a notícia de algum lugar. Há notícias da Folha de S. Paulo, outras d’O Globo, de todo lugar, mas nós escolhemos quais manchetes queremos que nosso público leia. A gente faz uma curadoria, basicamente.”

No segundo passo, por sua vez, o MBL faz um vídeo, um texto ou um meme interpretando aquela manchete. E como Kim bem diz, não se trata de divulgar a matéria na íntegra, com todos os seus contextos e poréns, mas literalmente uma foto da manchete, com apenas o título e o subtítulo da matéria.

Também segundo o fundador do movimento, essa parte funciona porque, para maioria das pessoas, apenas o título da matéria já basta para formar uma opinião:

“Hoje em dia, as pessoas leem apenas o título [das notícias], e já querem ter uma opinião antes de lerem a matéria. Basicamente, o que oferecemos às pessoas é a notícia, em duas frases, e o que pensamos sobre ela. No final, adicionamos algo engraçado para que as pessoas queiram compartilhar com os amigos”.

E as estratégias do movimento para alcançar a política Brasileira não param por aí. Isto porque, para os líderes do grupo, a ideia é que cada candidato eleito sob a bandeira do MBL tenha seu próprio canal, assim como Kim, do Val e Holliday.

Este ponto, inclusive é onde as maiores diferenças entre os três se acentuam: enquanto Kataguiri se vê como um verdadeiro político, Arthur do Val é um Youtuber – e, como o próprio Ryan Broderick conceitua em seu texto, Fernando Holliday seria algo entre as duas coisas.

Os digital influencers da política brasileira e como eles ganharam eleições
Holliday (à direita) é o mais jovem vereador eleito da história de São Paulo

Já em meados de 2016, Fernando Silva Bispo (também conhecido como Fernando Holliday) não era tão conhecido a nível nacional. No entanto, ao concorrer pelo cargo de vereador na Câmara Municipal de São Paulo, o jovem ganhou as eleições com mais de 40 mil votos, também pelo partido Democratas.

“Eu fui eleito pela internet. Outros vereadores meio que têm medo de mim porque a maioria deles não entende o poder das redes sociais.”

Após ser eleito, Holliday se tornou mais presente nas redes sociais, mas dentre os membros do trio ele ainda é o que tem menos seguidores nas web – o que deve não deve ser um problema no futuro caso ele siga a estratégia de Kim para os parlamentares do MBL.

Dentre os momentos de maior destaque da sua carreira política e midiática, o vereador se tornou bastante conhecido ao se posicionar contra as cotas raciais. O fato do próprio Holliday ser negro ajudou na viralização do seu discurso.

A propaganda vendida como entretenimento

Antes de concluirmos, vale deixar claro que o propósito desse texto não é mudar a sua visão sobre o MBL ou algum dos seus membros, mas sim elencar alguns dos fatos que levaram os três nomes acima do completo anonimato ao parlamento brasileiro em menos de cinco anos – e com votações extremamente expressivas para seus respectivos cargos. Afinal, como o Movimento Brasil Livre conseguiu se tornar um agente político tão forte em tão pouco tempo?

A resposta parece estar na própria descrição que Kataguiri faz, quando fala de como uma notícia é manipulada (“curada”, nos termos dele) e utilizada num contexto que favoreça a visão ideológica do grupo. Além disso, há o fato do MBL ter nascido num momento de destaque das manifestações políticas e de ascensão dos meios digitais de comunicação – o que obviamente facilitou a divulgação dos seus ideais ao redor do país.

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MBL de Kim Kataguiri já foi acusado de espalhar fake news, mas afirma que apenas divulga as manchetes dos jornais

Nos últimos anos, o movimento também deixou de se vender como apartidário e avesso à política tradicional, se aliando com nomes e partidos do establishment que pouco defendem as visões libertárias do grupo. Ainda assim, se há uma característica que o MBL mantém é a constante vinculação de sua propaganda com o entretenimento, na forma de memes, piadas e chavões – o que não só dá uma cobertura de açúcar ao tema político, mas também torna o discurso do grupo mais acessível e compartilhável.

É bem provável que essa tenha sido a receita de sucesso para que o MBL atingisse o poder, e como o movimento não se preocupa em manter sua tática em segredo, é bem provável que outros grupos políticos também se utilizem dessa técnica durante as próximas eleições.

Embora não estejamos aqui para discutir a forma como o movimento se utiliza dessa estratégia – se ela é digna de repúdio ou admiração – devemos todos concordar que travestir um discurso político, utilizando um conteúdo humorístico ou religioso para mascarar o seu viés, torna as intenções de quem quer se eleger muito menos claras. E diante desse cenário, é bem provável que, no futuro, quando as técnicas adotadas pelo MBL forem comuns, constatar o que é fato e o que é manipulação será muito mais difícil, principalmente para os brasileiros de Kim Kataguiri, que leem apenas os títulos.

 

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