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No ano de 2023, mesmo à distância da época da glamorosa era de ouro da moda, o encanto pelo universo fashion continua a ser uma paixão atemporal. O interesse pelas vidas e carreiras das modelos mais renomadas do mundo permanece uma verdadeira obsessão, uma devoção que remonta aos tempos anteriores à explosão das redes sociais.
A série documental intitulada The Super Models surge como uma chama que reacende o fascínio e o impacto cultural que as lendas da moda trouxeram ao mundo. Nesse mergulho ao passado o espectador é transportado para uma época em que supermodelos reinavam supremas, prometendo revigorar a paixão pela história dessas icônicas e influentes figuras.
O documentário
Lançado no dia 30 de setembro, o documentário da Apple TV+ mostra uma visão cativante dos primórdios da carreira das quatro modelos principais do grupo popularmente intitulado como Big Six. Naomi, Cindy, Linda e Christy são nomes que representam Naomi Campbell, Cindy Crawford, Linda Evangelista e Christy Turlington.
Apresentando imagens dos bastidores do exclusivo mundo da moda das décadas de 80 e 90, em uma conversa com a revista Vogue, Naomi até compartilhou que os episódios também exploram muito da união do grupo, destacando, inclusive, o papel de todas as quatro como produtoras executivas do projeto.
Como modelos, não temos controle sobre o uso de nossas imagens, por isso é gratificante termos a oportunidade de sermos as guardiãs de nosso próprio legado, contando nossa história em nossas próprias palavras.
Naomi Campbell, modelo
Fato é que a moda é um universo que segue um ciclo contínuo, assim como os movimentos socioculturais, o que confere uma relevância atual e impressionante a muitos retratos apresentados na série, de acordo com a análise de alguns especialistas. As quatro modelos não apenas viveram em desfiles, mas também se tornaram empreendedoras de sucesso na indústria da moda, alcançando um status acima das próprias marcas de luxo e alta costura. Elas eram verdadeiras equivalentes às estrelas do rock.
É interessante ressaltar que o documentário lança luz sobre mulheres que desfrutaram de cuidados de beleza ao longo da vida, mas um dos principais intuitos é fazer do projeto uma maneira de promover discussões cruciais sobre padrões de beleza e até o envelhecimento. Com todas as quatro modelos superando a marca dos 50 anos, é difícil pensar que elas fossem conseguir escapar do olhar crítico da sociedade, especialmente por se tratar de um universo focado na estética.
Outro tema muito discutido entre as protagonistas do documentário é a pressão inclemente da indústria por padrões estéticos muitas vezes inatingíveis. Por diversas vezes, os episódios mostram como a sociedade exerce um escrutínio constante sobre o processo de envelhecimento das mulheres, mesmo quando elas foram consideradas as “mais belas do mundo” um dia. Como uma forma de reforçar e levantar essa pauta, ajudando numa mudança dentro desse universo, a série é um lembrete impactante de como críticas e expectativas desproporcionais são impostas às mulheres ao longo de suas carreiras.
O conteúdo de The Super Models
As imagens, vídeos e entrevistas, especialmente dos anos 1990, ditam o tom do documentário. Um arquivo de momentos únicos e inéditos, como as primeiras fotos de passarela, bastidores tumultuados, aulas e competições, são um pouco do que o espectador pode aproveitar para se deleitar. Relatos pessoais também marcam a maior parte da série, assim como curiosidades que as quatro modelos trazem à tona.
Grande parte de The Super Models funciona como um documentário bem direto, onde as modelos falam diretamente para a câmera, focando em relembrar momentos marcantes de suas vidas e carreiras. De fato, a magia da série de quatro episódios está em sua capacidade de transportar o público de volta no tempo.
Negligências e confissões
Como já mencionado anteriormente, a série também aborda, de forma pontual, temas problemáticos ao longo do tempo. Além da questão da idade das modelos no início de suas carreiras, temas como nudez, sexualização, assédio, abuso, vícios e a luxúria também são levantados. No entanto, é importante observar que mesmo mencionando esses tópicos, o roteiro do documentário não mergulha tão fundo quanto poderia nas causas subjacentes ou nas maneiras pelas quais esses problemas estão enraizados no próprio meio. Por causa disso, algumas questões sem respostas completas ou análises mais abrangentes são deixadas um pouco de lado.
O culto à magreza e a persistente gordofobia são temas particularmente problemáticos que não recebem a devida atenção. Embora haja menção dos impactos negativos da representação de um único tipo de corpo, o último episódio explica a razão por trás disso, revelando que essa questão não foi abordada de forma eficaz nem na própria indústria.
A falta de Kate Moss e Claudia Schiffer, integrantes do Big Six, no elenco, também pareceu ser algo que incomodou alguns dos espectadores, entretanto, nenhum motivo foi esclarecido até o momento.
Além disso, o documentário também não deixa de mostrar a fragilidade da vida de cada uma, dando espaço para confissões serem reveladas como as de Linda, que acabou recebendo o diagnóstico de câncer em determinada época. Lamentavelmente, a doença retornou recentemente e algumas cenas a mostram durante o tratamento no hospital. Em outro momento, a modelo também expressa sua aceitação sobre a situação e espera enfrentar tudo com serenidade.
Cenas da série também mostram Naomi compartilhando suas experiências com os calores da menopausa, enquanto Christy expressa alguma esperança ao redor de sua identidade e aparência.
Relações
Uma das partes mais intrigantes mostra que antes do surgimento do quarteto, a indústria da moda estava dividida entre modelos fotográficas e modelos de passarela, e raramente as duas categorias se cruzavam. Nos desfiles de moda, a ênfase era dada à impessoalidade, e quanto mais as modelos se encaixavam nesse perfil, melhor. Porém, apesar de toda nostalgia, as relações dentro do meio são pontos abordados e relevantes para a carreira de cada uma das supermodelos.
Gianni Versace, por exemplo, desempenhou um papel crucial na história de cada protagonista, uma vez que o estilista foi o primeiro a reconhecer o potencial e talento do que viria a ser o grupo. Além disso, Christy se destaca por ter desempenhado um papel fundamental na história toda. Foi ela quem convidou Naomi, Cindy e Linda para desfilarem para o estilista Marc Jacobs, o que as alavancou ainda mais na indústria.
Fora isso, a conexão entre Christy e o também estilista Calvin Klein foi perfeita. Foi através dela que se deu uma mudança estética significativa no início dos anos 90, que logo veio a ser caracterizada por campanhas que celebravam imagens mais leves e modelos com uma aparência saudável. Naquela época, principalmente pelos anos 80, era costume que a moda estivesse ligada a um acúmulo de elementos: maquiagens eram mais carregadas, roupas eram mais vibrantes e a estética era o oposto de algo mais natural. A colaboração entre a modelo e o estilista redefiniu os padrões de beleza.
Tendências
Assim como em qualquer lugar, em algum momento, era esperado que um certo tipo de rivalidade ou obstáculo fosse acontecer. Na segunda metade da década de 1990, uma nova geração começou a desafiar a supremacia das supermodelos.
Com o surgimento de new faces russas, ou seja, novas modelos, um novo padrão começou a se estabelecer. Devido a figuras loiras, brancas, altas, jovens e de uma magreza extrema, a série documental também buscou dar relevância para esse período que levou incertezas sobre o futuro do mundo da moda. Em seguida, outras modelos, como Kate Moss, Shalom Harlow, Amber Valetta e Erin O’Connor, que tinham atributos mais alinhados com as características do quarteto, surgiram.
Essa renovação no cenário da moda pode ser explicada por vários motivos, algo quase que essencial para o conteúdo do documentário. O ciclo natural na indústria demanda constantemente novos rostos e tendências, assim como também reflete uma mudança no clima sociocultural da época. Nesse período, a crise econômica não permitia extravagâncias. A opulência e a artificialidade que caracterizaram os anos 1980 e o início dos anos 1990 pareciam cada vez mais desconectadas da realidade. O discurso neoliberal, que valorizava a ideia de mérito, estava causando frustração, enquanto a realidade mostrava que buscar a perfeição era impossível.
Nesse mesmo contexto, movimentos culturais como o hip-hop e o grunge, sendo alvos de preconceito, começaram a ganhar mais adeptos e visibilidade. Logo, uma versão mais refinada e até elitista do minimalismo começou a limpar a estética ostensiva da moda. Se antes havia uma certa extravagância na indústria, a partir daquele momento, uma transição aconteceu e a moda ficou mais autêntica e realista.
Com tudo isso, as supermodelos passaram a se tornar muito mais influentes. O documentário também busca retratar justamente essa época, uma vez que foi o momento de ascensão do Big Six. Bem mais reconhecidas que as próprias marcas que as contratavam, era de se esperar que um incômodo fosse transparecer em algum momento, especialmente vindo de homens em posições de liderança no mundo da moda. Essa época gerou um impacto em que muitos não estavam dispostos a tolerar quatro figuras femininas poderosas e autônomas como obstáculo.
O documentário faz observar o quanto a história ressoa eventos mais recentes no mercado da moda, sugerindo que, no fundo, muitas dinâmicas continuam as mesmas, com a busca por lucros ainda ditando os rumos da indústria.
Modelos
Conhecidas como Big Six, em conjunto com as famosas Kate Moss e Claudia Schiffer, o grupo de supermodelos foi, por muito tempo, desejado para estrelar campanhas de marcas de moda e beleza. É verdade que esses são atributos importantes nesse meio, mas o que realmente provocou uma revolução foram as personalidades de cada uma e tudo o que contribuiu para a construção delas. Apesar das experiências distintas, é curioso ver que todas cresceram em ambientes familiares que, antes de apoiá-las em suas carreiras profissionais, priorizavam a educação.
Com isso, por volta dos 14 a 16 anos, todas começaram a trabalhar em suas carreiras sem negligenciar os estudos. Foi justamente essa determinação em equilibrar a educação e a carreira que ajudou a solidificar a posição como ícones duradouros da indústria até hoje. Não à toa, seus nomes são muito vinculados com projetos de ativismo e filantropia, por exemplo.
O prestígio delas era tão extraordinário que permitiu que as quatro superassem as marcas que apresentavam, tornando os nomes Naomi, Cindy, Linda e Christy tão proeminentes quanto os estilistas que as vestiam. Hoje, essas quatro supermodelos continuam na linha de frente da cultura por meio do ativismo, filantropia e habilidades empresariais. Enquanto a indústria da moda continua a se redefinir e a redefinir o papel das mulheres dentro dela, esta é a história máxima do poder e de como quatro mulheres se uniram para conquistá-lo, abrindo o caminho para aqueles que vieram depois.
Apple TV+
Na época, o mercado também estava dividido entre modelos de revista e de passarela, e essas barreiras eram realmente difíceis de serem quebradas. Foi por conta do quarteto que caminhos puderam ser abertos para que outras modelos conseguissem transcender essas categorias restritivas.
Naomi Campbell
Naomi Campbell, nascida em Londres em 22 de maio de 1970, é uma supermodelo britânica de renome mundial. Sua carreira decolou quando ainda era adolescente, tendo se tornado uma das modelos mais famosas a partir do início da década de 1990. Ela é conhecida não apenas por sua beleza, mas também por sua atuação no ativismo em prol da diversidade na indústria da moda, lutando contra a discriminação racial.
Além de sua carreira nas passarelas, Naomi expandiu sua atuação para filmes, programas de televisão e até mesmo música. Ela é empreendedora, tendo lançado sua própria linha de roupas, perfumes e produtos de beleza. Sua vida pessoal também tem sido alvo de grande atenção da mídia ao longo dos anos, com relacionamentos públicos e algumas controvérsias.
Cindy Crawford
Cindy Crawford, nascida em 20 de fevereiro de 1966 em DeKalb, Illinois, é uma supermodelo americana amplamente reconhecida e uma das mais icônicas de todos os tempos. Sua carreira começou a decolar na década de 1980, e ela logo se tornou um dos rostos mais famosos e procurados da indústria da moda.
Admirada não apenas por sua beleza, mas também por sua versatilidade em desfilar, posar e atuar, ao longo de sua carreira, a modelo estampou inúmeras capas de revistas, incluindo a famosa Vanity Fair em 1993. Fora isso, Cindy também teve participação em filmes, programas de televisão, causas filantrópicas e trabalhos de caridade.
Linda Evangelista
Linda Evangelista, nascida em 10 de maio de 1965 em St. Catharines, Ontário, Canadá, é uma figura internacionalmente reconhecida como uma das modelos mais influentes e versáteis da indústria da moda. Começando sua carreira na década de 1980, ela se destacou por sua habilidade de se transformar e se adaptar a diferentes estilos e looks.
Uma de suas características mais notáveis foi a capacidade de se reinventar e também colaborar com alguns dos fotógrafos e estilistas mais renomados da indústria. Ela é conhecida por sua famosa declaração: “Não acordo por menos de dez mil dólares por dia”, que ilustrou sua influência e sua posição de destaque na moda. E além de sua carreira como modelo, Linda também se aventurou na atuação e se envolveu em projetos de caridade.
Christy Turlington
Christy Turlington, nascida em 2 de janeiro de 1969 em Walnut Creek, Califórnia, é conhecida por ter ganhado destaque como uma das figuras mais proeminentes e influentes da indústria da moda. Sua carreira começou nos anos 1980, mas sua reputação também é relacionada com ativismo.
Ela fundou a organização sem fins lucrativos Every Mother Counts, que visa melhorar o acesso a cuidados de saúde materna em todo o mundo. Seu trabalho humanitário e compromisso com questões de igualdade e saúde global é altamente respeitado e lhe rendeu reconhecimento internacional.
Episódios
Episódio 01 – O Legado
A sinopse do primeiro episódio retrata o começo de tudo, onde, no ano de 1983, as quatro modelos, ainda adolescentes, faziam sua estreia diante das câmeras, marcando o início de uma série de eventos históricos.
Episódio 02 – O Poder
No segundo episódio, a misoginia e o sexismo são explorados, uma vez que envolveram situações nas quais as quatro modelos enfrentaram ao tentar ingressar e sustentar suas carreiras. Essas mulheres conquistaram o mundo, se tornando os ícones que personificaram a cultura dos anos 90 de maneira inigualável. No entanto, à medida que o tempo avançou, uma mudança nas percepções e observações polêmicas começaram a desafiar o status quo estabelecido.
Episódio 03 – A Fama
As quatro modelos, já no terceiro episódio, mostram o quanto se destacaram nas passarelas ao lado de outros gigantes da moda, estampando as mais prestigiadas campanhas e desfiles. No entanto, tudo mudou e se revolucionou com um videoclipe que transformou completamente o cenário: Freedom! ’90 de George Michael fez a aparição das supermodelos marcarem a década inteira e formarem a estética dos anos de 1990.
Episódio 04 – O Look
A sinopse do quarto episódio conta com as mudanças que as quatro protagonistas tiveram que enfrentar, além de suas apresentações e histórias da juventude até hoje, como empresárias, humanitárias e mães. Com ênfase na questão do envelhecimento, elas relatam sobre a profundidade da maturidade e a sabedoria que transcende os padrões estéticos. É uma celebração de uma fase mais emponderada em suas idades mais maduras e de muita autodescoberta.
Comparação com os Beatles
A comparação com os Beatles já vem de muito tempo, principalmente pelo fato de que o grupo de amigas se conheceu em Nova York e logo se uniram. Momentos de descontração apresentados em arquivos de gravação, lembram muito a atmosfera tranquila que a banda de garotos costumava passar em sua época. Mas fora isso, os próprios temperamentos, gostos e personalidades próprias de cada modelo, também podem ser comparados aos da banda de rock dos anos 60.
Semelhante a Paul McCartney, Cindy Crawford sempre demonstrou uma visão comercial aguçada e foi a primeira a planejar seu futuro para além do mundo da moda. McCartney tinha uma habilidade única para prever os sucessos da banda, e Cindy aplicou essa mesma visão ao seu próprio branding antes mesmo de o termo se popularizar. Com prova disso, ela foi uma das pioneiras em termos de introdução das celebridades no Oscar, rescindiu contrato com a Revlon no auge da sua popularidade para estabelecer sua linha de produtos e ainda criou uma marca de móveis.
Já como John Lennon, Naomi Campbell desempenhou o papel de rebelde no grupo. No documentário, ela compartilha abertamente suas lutas contra as drogas, experiências em clínicas de reabilitação e reconhece seus episódios de agressões. Inclusive, amigos e estilistas, como Marc Jacobs e John Galliano, também destacam como a modelo foi fundamental para ajudá-los em suas próprias jornadas para superar o vício. Lennon também foi conhecido por suas polêmicas entrevistas e por provocar a opinião pública com seu casamento pouco convencional com Yoko Ono.
Da mesma forma que o Beatle teve uma infância conturbada, Naomi também atribui seu temperamento por ter crescido sem o pai e com uma mãe ausente. Já nos anos posteriores, ela se tornou um ativista pela paz, prestando ajuda a crianças sem assistência na África do Sul e apoiando a moda em países em desenvolvimento. A comparação com John Lennon chega a ser bem fiel.
Em relação a George Harrison, Christy Turlington sempre foi uma modelo de beleza clássica que, por vezes, passa despercebida. Com costume de ser discreta, além de possuir um lado espiritualizado, a modelo também é autora de um livro sobre yoga e foi destaque na capa da revista Time sobre o tema. Harrison teve grande influência no campo da meditação e de toda a cultura oriental na banda, o que faz jus a esse lado mais exótico que Christy também transparece.
E assim como Ringo Starr era frequentemente o membro mais reservado e ausente dos Beatles, ele sempre preservou mais sua vida pessoal. Linda Evangelista também teve muita ausência dos noticiários ao longo dos anos por razões diferentes, como ela explica no próprio documentário.
The Super Models é uma poderosa jornada pelo passado da moda, iluminando o glamour e a influência das icônicas supermodelos dos anos 90. Enquanto a série toca em temas sensíveis, como padrões estéticos e problemas sistêmicos na indústria, deixa claro que essas mulheres extraordinárias moldaram não apenas a moda, mas também o poder da representação feminina. Seus legados perduram, continuando a inspirar e abrir caminho para gerações futuras, provando que a moda é muito mais do que aparência, é uma narrativa de força, determinação e resiliência.
Vale lembrar que a série documental está disponível no catálogo do streaming da Apple TV+.
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Revisão do texto feita por: Pedro Bomfim (4/10/23)
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