Fungos sexualmente transmissíveis criam “cigarras zumbis” em meio a infestação dos insetos nos eua

Fungos sexualmente transmissíveis criam “cigarras zumbis” em meio a infestação dos insetos nos EUA

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Fenômeno raro vai liberar trilhões de cigarras nos EUA espalhando o Massospora Cicadina, um fungo psicodélico que altera o comportamento sexual dos insetos

A natureza sempre nos surpreende com suas criações únicas e complexas, e dessa vez, os Estados Unidos estão se preparando para uma invasão digna de um filme de terror. Nos próximos meses, “cigarras zumbis” farão parte de trilhões destes insetos que emergirão do solo em diversos estados, após um período de hibernação, em um fenômeno que promete impressionar e assustar!

A infestação anormal de cigarras

As cigarras periódicas, conhecidas como magicicada, são insetos que emergem em grandes quantidades nos estados unidos de forma sincronizada
As cigarras periódicas, conhecidas como Magicicada, são insetos que emergem em grandes quantidades nos Estados Unidos de forma sincronizada (Imagem: Daily Mail)

Para os amantes do insólito, 2024 promete ser um ano inesquecível. Conforme os entomologistas, este ano marca uma convergência rara de dois enxames de cigarras periódicas: o Enxame XIX, que emerge a cada 13 anos, e o Enxame XIII, que surge a cada 17 anos. Uma verdadeira infestação de cigarras nos Estados Unidos!

Juntos, eles devem somar trilhões de cigarras emergindo do solo em estados como Illinois, Indiana, Iowa, Kansas, Kentucky, Maryland, Michigan, Missouri, Nova Jersey, Nova York, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Ohio, Pensilvânia, Tennessee, Virginia e Virgínia Ocidental.

As cigarras periódicas passam a maioria de suas vidas enterradas no solo em sua forma larval. Quando as temperaturas atingem cerca de 18°C, elas finalmente emergem em uma sinfonia ensurdecedora de milhões de machos tentando atrair fêmeas para o acasalamento. Em algumas áreas, os insetos poderão ser vistos e ouvidos em números nunca registrados nas últimas duas centenas de anos.

Michael Raupp, do Departamento de Entomologia da Universidade de Maryland, garante que as cigarras não mordem e não picam, mas vão causar alguns danos às árvores. “Estamos incrivelmente fascinados com isso, pois dará às duas ninhadas, as quais são muito diferentes entre si, a oportunidade de se cruzarem. Francamente, não temos ideia do que acontecerá”, disse ele. “As únicas que sabem são a mãe natureza e as próprias cigarras. Então, será uma experiência extremamente interessante!”

É nesse momento que o Massospora cicadina entra em ação. O fungo, cujos esporos aguardam pacientemente no solo, infecta as cigarras recém-emergidas, iniciando um processo de “zumbificação” digno de um filme de terror. Estima-se que entre 5% a 10% dessas cigarras estarão infectadas.

Em uma semana a dez dias, a parte traseira do abdômen das cigarras macho infectadas se abre, revelando um tampão branco e cálcico formado pelas esporas do fungo. Em um espetáculo bizarro, as partes genitais dos insetos literalmente caem, sendo substituídas por essa massa fúngica. Apesar de parecerem mortas, as cigarras zumbis continuam se movimentando e comportando-se como se estivessem saudáveis, no entanto, seu comportamento sofre uma perturbadora alteração.

Cigarras machos saudáveis entoam cânticos para atrair as fêmeas, demonstrando sua disposição para o acasalamento enquanto batem suas asas. Uma fêmea desafortunada o bastante para ser seduzida pelo canto de um macho infectado não apenas falhará em fertilizar seus ovos, mas também será infectada, transformando, em essência, o fungo em uma doença de transmissão sexual.

Os machos infectados,também agitam suas asas semelhantemente às fêmeas, enganando outros machos saudáveis para tentarem acasalar com eles. Ao se aproximarem, os machos saudáveis são expostos aos esporos do fungo, ficando igualmente infectados e dando continuidade ao ciclo mortal.

O fungo Massospora Cicadina

Estima-se que 3. 000 espécies de cigarras vivam em todo o mundo, e uma diversidade de fungos parasitas evoluíram com elas
Estima-se que 3.000 espécies de cigarras vivam em todo o mundo, e uma diversidade de fungos parasitas evoluíram com elas. (Imagem: Scientific American)

Os cientistas estão estudando como esses fungos conseguem manipular o comportamento dos insetos, buscando entender os mecanismos moleculares e neurológicos envolvidos nessa relação parasita-hospedeiro. Um estudo publicado pela PLOS Pathogens em 2020 revelou que os componentes químicos presentes nas cigarras após serem infectadas assemelham-se aos encontrados em cogumelos alucinógenos.

Conforme o patologista florestal e micologista Matthew Kasson, da Universidade de West Virginia, o Massospora Cicadina produz substâncias similares às anfetaminas, o que poderia explicar a resistência e hipersexualidade das cigarras zumbis. Estima-se que um único macho zumbi pode infectar dezenas de outros machos antes de sucumbir ao fungo.

“Sabemos que várias espécies de animais, como cobras e pássaros, estão se alimentando dessas cigarras. Existe a possibilidade de que elas estejam afetando os animais que as consomem? Sim, é uma possibilidade.”

Matthew Kasson, micologista

“Quando voam ou caminham pelos galhos, elas também disseminam esporos”, disse Kasson. “Nós as chamamos de ‘saleiros da morte voadores’, porque basicamente dispersam o fungo como sal saindo de um saleiro.”

Um estudo publicado por Kasson e sua equipe na revista Fungal Ecology em 2019 apontou a catinona como um composto-chave para induzir o comportamento hipersexual desses hospedeiros. A catinona é um estimulante natural da família das anfetaminas, já identificado como princípio ativo da planta khat, mastigada por seus efeitos revigorantes em regiões na África. Sua versão sintética também compõe medicamentos para TDAH e até drogas ilegais.

Fármacos à base de catinonas sintéticas costumam suprimir o apetite e aumentar os níveis de foco e energia. Suspeita-se que o fungo explore esses efeitos, induzindo um comportamento obsessivo de acasalamento nas cigarras para maximizar a transmissão dos esporos, em detrimento de atividades como alimentação e descanso. Surpreendentemente, algumas espécies desse fungo também apresentam indícios da psilocibina, a substância alucinógena dos cogumelos mágicos.

Psilocibina e anfetaminas são drogas muito diferentes, mas esses alcaloides podem ter funções complementares em suprimir apetite, elevar a resistência e prolongar os períodos de vigília

Matthew Kasson, da Universidade de West Virginia

Embora os efeitos psicoativos do fungo gerem fascinação científica, Kasson deixa bem claro que tentar obter experiências alucinógenas com o fungo das cigarras infectadas seria uma prática extremamente perigosa e sem sentido. O micologista expressa preocupação com discussões online sobre esse possível “uso recreativo” dos insetos parasitados.

Segundo ele, seria necessário ingerir centenas ou até milhares de cigarras para alcançar uma dose relevante de substâncias psicoativas. Além disso, os insetos contêm mais de mil outros compostos, muitos deles reconhecidamente tóxicos para humanos.

Tanto Kasson quanto Chris Simon, pesquisador de filogenia na Universidade de Connecticut, tranquilizam que o risco de animais domésticos ou crianças entrarem em contato acidental com espécimes infectados é relativamente baixo. As cigarras parasitadas tendem a representar uma pequena parcela do enxame total e que bilhões desses insetos se encontram dispersos por uma vasta região geográfica durante o ciclo de acasalamento.

“Obviamente, eu não recomendaria que ninguém lambesse uma cigarra infectada”, brinca Kasson. “Mas se um animal de estimação acidentalmente ingerir uma ou duas, não haverá um problema sério.” O alerta se aplica mais à comunidade científica, interessada em estudar os misteriosos mecanismos por trás do controle mental fúngico, do que para incautos buscando experiências psicodélicas perigosas e ilegais.

Semelhança com a formiga zumbi e The Last of Us

Detalhe de uma cigarra infectada com o fungo massospora cicadina
Detalhe de uma cigarra infectada com o fungo Massospora Cicadina (Imagem: CBS News)

Essa situação lembra o famoso caso das formigas-zumbis, controladas por um fungo do gênero Ophiocordyceps. Assim como acontece com as cigarras, o fungo manipula o comportamento das formigas para garantir sua propagação, fazendo com que elas se desloquem para locais ideais para o desenvolvimento de seus esporos.

A temática dos insetos zumbis também ganhou notoriedade recentemente com o sucesso do jogo e série The Last of Us, onde um fungo mutante transforma os seres humanos em zumbis canibais. Embora essas histórias sejam fictícias, a realidade dos fungos que controlam cigarras e formigas é igualmente fascinante e assustadora.

Os especialistas incentivam as pessoas a não matarem ou consumirem as cigarras, mas sim a documentarem os casos por fotos e vídeos, compartilhando-os em comunidades científicas online como o iNaturalist. Afinal, compreender melhor esse incrível e assustador ciclo natural pode nos ajudar a desvendar mais mistérios da mãe natureza.

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Fonte: CBS News, Scientific American, USA Today

Revisado por Glauco Vital em 8/4/24.

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